domingo, 2 de fevereiro de 2014

HOMENAGEM AO POETA DESCALÇO



TRÉGUA & BANDEIRA BRANCA
Ary Franco (O Poeta Descalço)

            No alcançar dos meus oitentanos vividos, faz-se mister que manobre ligeiramente o timão do meu barco em busca de águas mais serenas. Mesmo cônscio de que minhas mãos ainda estejam firmes no leme, sinto-me compelido a diminuir a velocidade do meu navegar, procurando águas menos turbulentas e eventualmente descansar em providenciais remansos existentes em acolhedoras enseadas nesta minha abençoada viagem.
            Agora, as distâncias entre os portos, embora ilusoriamente, parecem-me ter aumentado e, após a chegada a cada atracadouro, se faz necessária maior TRÉGUA,  antes de um novo levantar âncora.
            Sempre recebi de Deus a graça de contar com um farol em minha rota, alertando-me sobre perigosos recifes que inevitavelmente far-me-iam soçobrar. Iniciei essa viagem no despontar de minha juventude aos dezoito anos, em uma nau possante, arrostando ondas em mar bravio. Ajudei náufragos, ganhei bem-aventurados passageiros a bordo, a família que constituí. Com o passar dos anos, dois de meus filhos desembarcaram a salvo em portos seguros, permanecendo comigo a bordo minhas amadas esposa e uma filha, razões que me fazem seguir adiante sem esmorecer.
            Passei por momentos difíceis em que fui obrigado a usar a própria madeira da estrutura do vapor para poder manter a insaciável fornalha acesa. Décadas depois, o tamanho da nau foi diminuindo até chegar hoje a um barco à vela dependente das lufadas de brisas amenas e favoráveis para sua locomoção. Se numa eventual calmaria a vela enfunada se enruga, necessário se faz remar. Aí busco forças com meus amados filhos, pois já me falta elã suficiente para essa cansativa empreitada.

            Hoje, no lugar da bandeira colorida tenho hasteada no pico do mastro uma BANDEIRA BRANCA simbolizando a dadivosa paz com que Deus me gratifica pelo esforço até então despendido. Talvez umas milhas marítimas mais adiante tenha que jogar âncora em definitivo em um porto chamado “Destino” e, em lá chegando, deveremos desembarcar  em terra firme, dando por terminada esta minha derradeira viagem.

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