sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

Espaços deficientes nos atrativos culturais brasileiros

by Ricardo Shimosakai
O Cirque Du Soleil se utiliza da Lei Rouanet nas apresentações no Brasil, porém oferece recursos de acessibilidade abaixo do necessárioO Cirque Du Soleil se utiliza da Lei Rouanet nas apresentações no Brasil, porém oferece recursos de acessibilidade abaixo do necessário
Pode uma menina cega assistir a uma peça de teatro e ao fim sair comentando sobre detalhes do cenário e figurino? Pode um rapaz surdo ir a um musical e se emocionar com a letra das músicas que compõem a trilha? Pode uma pessoa cega ser júri de um festival de cinema? Pode um grupo de amigos cegos ir ao teatro e ler o programa sem ajuda?
As situações descritas acima têm acontecido ultimamente, graças a alguns recursos de acessibilidade, que, quando bem aplicados, permitem que pessoas com deficiência visual e auditiva absorvam o conteúdo imagético e sonoro de um evento.
A audiodescrição e material em Braille para as pessoas cegas, a interpretação em Língua Brasileira de Sinais e as legendas em português, para as pessoas surdas, são os recursos de acessibilidade responsáveis por quebrar barreiras, estabelecer um novo patamar de convívio e minimizar a desigualdade histórica de oportunidades à qual as pessoas com deficiência estão submetidas.
Segundo a ONU, cerca de 10% da população mundial, aproximadamente 650 milhões de pessoas, vivem com uma deficiência e cerca de 80% dessas pessoas vivem em países em desenvolvimento. Diante desta constatação, todos os esforços para diminuir as barreiras que impedem o acesso desta parcela da população às atividades cotidianas deveriam estar no centro das discussões e planejamentos dos governos. Enquanto isso não acontece, devemos atribuir à palavra “deficiente” aos locais que não estão adaptados a receber o público na sua totalidade.
No atual sistema de produção cultural do Brasil, grande parte dos projetos é realizada via leis de renúncia fiscal, ou seja, através de impostos de todos os brasileiros, incluindo as pessoas com deficiência visual e auditiva. Desta forma, seria razoável que este grupo também tivesse acesso às obras produzidas.
Leis e editais que indiquem a aplicação dos recursos de acessibilidade nos projetos culturais, políticas públicas, diálogo entre setores e linhas de financiamento são ações urgentes que apenas se esboçam no horizonte.
Enquanto se aguarda a reação dos poderes a este movimento que já vem se consolidando há mais de uma década no Brasil pelo esforço de líderes da causa das pessoas com deficiência, profissionais engajados e alguns agentes culturais pioneiros no poder público e privado, cenas como as descritas no início deste texto continuarão acontecendo. É certo que com uma frequência muito aquém do ideal, mas em consistente crescimento ao longo dos anos.
Em um panorama ideal, todos os cinemas e teatros disponibilizariam recursos de acessibilidade. Não ouviríamos mais falar em “sessões especiais” para pessoas com deficiência e sim em ambientes para todos, onde os recursos estão disponíveis para quem precisa. As pessoas com deficiência escolheriam o programa como qualquer outra pessoa do público.
Quando os eventos forem feitos para todos, as deficiências estarão em segundo plano e seremos simplesmente pessoas vivenciando uma experiência, independentemente das diferentes necessidades de cada um.
Quem já teve a oportunidade de participar de um acontecimento onde os recursos de acessibilidade estão disponíveis e as diferenças são respeitadas sabe que a inclusão não faz bem apenas para as pessoas com deficiência, mas sim para todos. A possibilidade do convívio pleno é transformadora e fortalecedora para todos os indivíduos indistintamente e nos coloca em um novo patamar de evolução.
Fonte: O Globo

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